As escolhas de Filipe

Unlikely interview

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As escolhas de Filipe
Filipe Vargas, um dos grandes atores da sua geração conta-nos os seus segredos e preferências gastronómicas.


Qual o seu gadget culinário favorito?

O ralador. Uso para tudo: ralar gengibre para fazer sumo, ralar limão congelado para o lemon zest, ralar legumes para grelhar ou levar ao forno, ralar presunto para o risotto. Acho que é o utensílio de cozinha que mais uso.


A próxima tendência culinária é?

Há uma tendência, sobre a qual li há uns anos, que adoptei e que acho que cada vez faz mais sentido, que é o "one ingredient chef". Ou seja, simplificar ao máximo ao nível da composição de cada ingrediente, aumentando ao máximo o nível de qualidade dos mesmos. Um bom peixe, por exemplo, só precisa de um fio de azeite, acompanhado por batata doce e pronto. Com três ingredientes puros faz-se um prato. É a cozinha anti molhos, anti saturação de sabores, anti alimentos processados, anti conservantes. Cada ingrediente vale por si e quantos menos melhor.


Quantas estrelas Michelin já comeu?

Confesso que as estrelas Michelin é todo um campeonato que me passa um bocado ao lado. Já tive refeições memoráveis numa garagem na lota de Lagos, onde há zero estrelas Michelin, e algumas decepções gastronómicas em restaurantes estrelados.


Qual é o seu ingrediente fetiche?

O limão. Acho que fica bem em tudo e uso indiscriminadamente. Limão fresco ou congelado, ralado fino ou grosso, fica bem em carne, peixe, legumes, risottos, sobremesas... "When God gives you lemons, make whatever".


Qual o seu ódio de estimação culinário?

A pimenta branca. Destrói qualquer sabor, apropria-se de qualquer gosto, tudo o que leva pimenta branca só me sabe a pimenta branca. Além de que não digiro pimentas e fico o dia todo a lembra-me que comi aquilo. Evito a todo o custo.


Qual o seu método preferido para cozinhar peixe fresco?

Aí vai um segredo: na peixaria, peço que limpem o peixe (robalo ou dourada, por exemplo) mas que não o escamem. Depois, em casa, encho a travessa do forno com água até cima e coloco na parte mais baixa. Ponho o peixe em cima da grelha, sensivelmente a meio do forno, sem sal, sem nada e já está. O peixe coze a vapor, as escamas selam e não deixam que o peixe fique seco, ao mesmo tempo que também o salgam. Mais ou menos 40 minutos depois está feito: as escamas saem por inteiro como se fosse uma casca e o melhor de tudo: não deixa cheiro nenhum na casa.


Os produtos da época sabem sempre melhor?

Parte do prazer de comer castanhas é que vêm acompanhadas pelos primeiros sinais do Outono. Parte do prazer dos morangos vem do facto de com eles vir também o bom tempo. Há produtos que são tradicionalmente sazonais e isso torna-os ainda mais especiais. Sabemos que os avanços nas técnicas agrícolas e os grandes fluxos de importação internacional permitem-nos comer quase tudo o ano inteiro, mas isso, além de ser ambientalmente pouco sustentável, retira a magia da celebração dos alimentos. Por isso, não só acho que os produtos de época sabem sempre melhor, como acho que só devemos consumir cada produto na sua época, para bem do paladar, da variedade e do ambiente.


Quando estou em casa a cozinhar gosto de...

... ouvir música (sempre), ter amigos (ou não) e beber vinho (se há amigos).


Não suporta...

Massapão. Vomito. Literalmente.


Tem ou sonha ter uma horta?

Não tenho mas sonho. E vou ter.


Qual é a sua fruta favorita?

Pêra Rocha.


Qual é o seu pequeno almoço?

Batido de leite de arroz com banana, uma colher de flocos de aveia, uma colher de óleo de linhaça, uma colher de proteína vegetal (ervilha ou arroz), e sumo de gengibre. Às vezes, este super batido é acompanhado por duas torradas de pão sem glúten com um fio de azeite e sal ou pêra abacate. E um café de balão (já agora, parem lá de consumir cafés de cápsula que são um atentado ao ambiente). E é isto, todos os dias.


Se pudesse escolher, qual seria a sua última refeição?

Se era a última refeição, implicaria que morreria pouco depois. Por isso, muito mais importante que o que comeria, seria com quem estaria.


Bochechas de porco ou rabo de boi?

Os dois, para a minha última refeição, se faz favor.


Qual é a sua primeira memória culinária?

As papas de aveia que os meus avós preparavam ao pequeno-almoço, com a textura perfeita e sempre com um toque de limão e canela. Simplesmente perfeitas.


Quem é o seu chef preferido?

O meu pai, com quem aprendi a cozinhar, a respeitar os alimentos, a saber comprar carne e peixe e a fazer ervilhas com ovos escalfados e bacon, um dos maiores prazeres da vida.


Qual é a próxima estrela para Portugal?

Elevar as migas de espargos verdes alentejanas a Património Galáctico. Porque merecem.


Qual é a sua maior qualidade?

Fazer omeletes sem ovos.


E o seu maior defeito?

Ser incapaz se comer só um quadradinho de uma barra de chocolate.


Que supper poderes gostaria de ter?

Saber fazer terrinas de caça, saber fazer reduções sem aldrabar, saber fazer souflés instagramáveis, saber fazer bavaroise de café.


Qual a coisa mais importante numa pessoa?

O sentido de humor.


E o que mais aprecia nos seus amigos?

O mais importante numa pessoa. O sentido de humor.


Quem gostaria de ser se não fosse você?

Eu, mais alto.


Onde gostaria de viver?

Acho que um dia gostaria de viver nos Açores.


Qual a sua cor favorita?

Fifty shades of grey.


Qual o defeito mais fácil de perdoar?

A arrogância fundamentada e inteligente.


Que personagens históricas mais admira?

Os gregos, porque com a invenção da filosofia nos ajudaram a ver o mundo tal como ele é, até aos dias de hoje. Oscar Wilde, porque não escreveu uma linha sem génio nem disse uma única frase tonta a sua vida toda (mesmo na hora da sua morte). E a Rosa, a minha peixeira.


Que profissão nunca teria?

Pasteleiro de doces finos do Algrave, sim, aqueles que são feitos exclusivamente de massapão.


E que profissão mais admira?

As pessoas que trabalham nos mercados: acordam de noite, vão aos fornecedores buscar peixe, carne, frutas, legumes, flores e ao nascer do dia já estão prontos a receber os clientes nas suas bancas cheias de coisas frescas. São praticamente beatificáveis.


Qual o lema de vida?

Ignore nothing.


Qual o livro de cabeceira?

Normalmente há sempre uma biografia, um romance e um livro de poesia. Neste momento, tenho a biografia "História da minha vida - vol. I" de Giacomo Casanova, o romance "A Gorda" de Isabela Figueiredo e o livro de poesia "Las personas del verbo" de Jaime Gil de Biedma.


Qual a palavra preferida?

Claro!


E a palavra que mais odeia?

Não.


Não resiste a...

… Esse é também o meu pior defeito (ver em cima)


Quem são os seus heróis?

Toda e qualquer pessoa que não fique nem cínica, nem conformada, nem amarga à medida que a vida vai avançando.


A sua ideia de felicidade é…

Descer as escadas e ir almoçar ao Leka Leka (do Chef Philip Durnholz e da Isabel Lindim) que é mesmo ao lado de casa, e onde cozinham exactamente como eu gosto (e onde fazem a melhor tarte de limão merengada do mundo e arredores).


Na sua bucket-list estão…

Aprender a tocar um instrumento. Aprender a andar de skate. Fazer um filme com as ratazanas. Ir à Patagónia com o livro "Na Patagónia" do Bruce Chatwin debaixo do braço e de caminho, comer uma refeição preparada pelo Francis Mallmann (para quem estiver interessado, é o episódio 3 da temporada 1 da série "Chef's table" da Netflix). E algumas coisas mais, graças a Deus.